Phila Portia Ndwandwe, conhecida pelo nome de guerra Zandi, foi muito mais do que uma combatente pela liberdade na África do Sul. Ela tornou-se um símbolo eterno de dignidade, bravura e sacrifício durante a luta contra o regime do apartheid. A sua história, marcada por uma resistência incomum perante a tortura e a humilhação, é um testemunho poderoso do papel fundamental que as mulheres desempenharam na conquista da democracia.

Da Clínica Dentária à Luta Armada

Phila Ndwandwe não nasceu guerrilheira. Nascida a 2 de junho de 1965, em Umlazi, Durban, ela era uma estudante de Terapia Dentária na Universidade de Durban-Westville quando foi recrutada para o Congresso Nacional Africano em 1985. A sua vida mudou radicalmente quando se juntou ao uMkhonto we Sizwe, o braço armado do ANC fundado por Nelson Mandela.

Rapidamente, ela ascendeu na organização, tornando-se a comandante das operações do MK para a região de Natal, a partir da sua base na Suazilândia. A sua unidade era responsável pela infiltração de outros combatentes na África do Sul, uma missão de alto risco que colocava a polícia do apartheid na sua perseguição.

O Cativeiro e a Tortura: A Prova de Fogo

Em outubro de 1988, Phila foi traída por dois antigos camaradas que se tinham tornado informadores da polícia. Atraída para uma reunião no George Hotel, em Manzini, na Suazilândia, foi capturada por membros do Ramo de Segurança de Port Natal e levada para a África do Sul.

O objetivo dos seus captores era simples e brutal: forçá-la a tornar-se uma informante, uma “askari”, traindo os seus companheiros do MK. Para a quebrar, submeteram-na a torturas incessantes. Testemunhas posteriores relataram que ela foi mantida nua durante dias num pequeno cativeiro numa quinta em Elandskop, perto de Pietermaritzburg. A humilhação era uma tática para destruir a sua resistência psicológica. No entanto, Phila recusou-se a ceder.

A Calcinha de Plástico: Um Símbolo de Dignidade

Perante a tentativa de a desumanizar, Phila Ndwandwe encontrou uma forma comovente de preservar a sua dignidade. De acordo com o relatório da Comissão da Verdade e Reconciliação, quando o seu corpo foi exumado, os investigadores encontraram um pedaço de saco plástico azul adaptado como uma calcinha a cobrir a sua pélvis. Este ato desesperado de autopreservação tornou-se o elemento mais pungente da sua história, simbolizando a sua coragem inabalável perante a crueldade extrema.

A Execução e o Encobrimento

Ao perceberem que seria impossível quebrar a sua vontade, os agentes da segurança tomaram a decisão final. Sem provas suficientes para a levar a julgamento e incapazes de a libertar, executaram-na com um tiro na cabeça. O relatório da TRC descreve que ela foi obrigada a ajoelhar-se ou agachar-se antes de ser alvejada. O seu corpo foi depositado numa cova rasa na quinta de Elandskop, coberto com cal e plástico para acelerar a decomposição e ocultar o crime.

Para a sua família, Phila simplesmente desapareceu. Durante anos, circularam rumores de que ela tinha partido para a Tanzânia, uma história alimentada pelos próprios assassinos para encobrir o homicídio. O seu pai, Nason Ndwandwe, apenas soube a verdade quase uma década depois, quando os assassinos confessaram o crime perante a Comissão da Verdade e Reconciliação.

A Verdade e o Legado

Em 1997, onze antigos membros das forças de segurança solicitaram amnistia pela sua morte e de outros ativistas. As suas confissões permitiram que, a 12 de março de 1997, os restos mortais de Phila Ndwandwe fossem exumados e finalmente entregues à sua família para um funeral digno.

O seu funeral foi um evento público, presidido por Nelson Mandela. Foi também um momento de reunão para a sua família: o seu filho, Thabani, que tinha apenas dois meses quando a mãe foi raptada, conheceu os avós pela primeira vez e recebeu a medalha póstuma em honra da coragem da mãe.

Reconhecimentos Póstumos

  • Ordem de Mendi pela Bravura: Uma das mais altas condecorações da África do Sul, atribuída pelo seu sacrifício pela nação.

  • Arte Memorial: A artista Judith Mason criou “The Blue Dress”, um vestido feito de plástico azul, exposto no Tribunal Constitucional da África do Sul em sua homenagem.

  • Estradas com o Seu Nome: Vias públicas em eThekwini foram batizadas com o seu nome, mantendo viva a sua memória na comunidade.

Conclusão

Phila Ndwandwe não foi apenas uma vítima do apartheid. Foi uma mulher de coragem extraordinária que, num momento de terror absoluto, escolheu proteger os seus camaradas e manter a sua dignidade. A sua história, resgatada graças ao processo único da Comissão da Verdade e Reconciliação, lembra-nos que a luta pela liberdade foi travada com o sacrifício de pessoas comuns que fizeram coisas extraordinárias. A sua calcinha de plástico azul é talvez um dos símbolos mais poderosos da história sul-africana – um testemunho silencioso de que, mesmo perante a morte, a dignidade humana pode permanecer intocada.