A data de 3 de julho assinala, em território brasileiro, o Dia Nacional de Combate à Discriminação Racial. Esta efeméride não é um mero símbolo no calendário; é uma referência histórica fundamental, instituída em memória do mesmo dia, no ano de 1951, quando foi sancionada a Lei Afonso Arinos. Esta foi a primeira norma jurídica no Brasil a considerar a prática do racismo como uma contravenção penal, representando um ponto de viragem na consciência legal da nação.
A Lei Afonso Arinos: O Primeiro Passo
A Lei nº 1.390/51, de autoria do então deputado Afonso Arinos de Melo Franco, surgiu num contexto social onde o racismo era frequentemente velado ou tratado como uma questão menor. A lei constituiu um marco pioneiro ao proibir a discriminação racial em espaços de acesso público, como hotéis, restaurantes, bares, estabelecimentos comerciais e veículos de transporte. A norma previa sanções para quem negasse ou impedisse o acesso de alguém com base na sua raça.
Embora, à época, a lei tenha sido criticada por ser considerada limitada – ao enquadrar o racismo como uma contravenção penal (uma infração de menor gravidade face a um crime) e não por sancionar todas as suas manifestações –, o seu valor simbólico e jurídico é inegável. Foi o primeiro instrumento legal a reconhecer, perante o Estado, a existência e a gravidade da discriminação racial, abrindo caminho para futuros avanços. Foi um alicerce, frágil talvez, mas essencial para a construção de uma legislação mais robusta.
A Evolução Legal: do Crime Inafiançável aos Direitos Garantidos
O percurso legislativo não parou em 1951. A luta antirracista, protagonizada incansavelmente pelo movimento negro e por setores progressistas da sociedade, culminou em conquistas legais históricas. A mais significativa delas foi a promulgação da Lei nº 7.716, em 1989, que definiu com clareza os crimes resultantes de preconceito de raça ou cor. Esta lei transformou o racismo em crime, sujeito a penas de reclusão.
Posteriormente, a Constituição Federal de 1988, no seu artigo 5º, inciso XLII, consolidou este avanço ao declarar que “a prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão”. Esta determinação constitucional elevou o combate ao racismo à categoria de princípio fundamental da República, impedindo que tal crime seja perdoado com o pagamento de fiança ou que deixe de ser punido pela passagem do tempo.
Outro instrumento crucial é a Lei nº 12.288/2010, que instituiu o Estatuto da Igualdade Racial. Este estatuto vai além da punição, ao estabelecer um conjunto de diretrizes e direitos destinados a garantir à população negra a igualdade de oportunidades nas mais diversas áreas, como saúde, educação, cultura, trabalho, moradia e segurança. O seu objetivo é promover a reparação histórica e a construção de uma sociedade verdadeiramente equitativa.
O Combate à Discriminação Racial: Uma Luta de Todos
O combate à discriminação racial é uma pauta permanente e indeclinável do movimento sindical e de todas as forças democráticas. O local de trabalho deve ser um espaço de equidade, onde o talento e a dignidade humana sejam os únicos critérios de valorização. É dever de toda a sociedade – indivíduos, instituições e empresas – reconhecer os privilégios estruturais, denunciar atitudes discriminatórias e enfrentar ativamente o racismo, seja ele explícito ou velado.
A data de 3 de julho serve, assim, como um convite à reflexão e à ação. Recorda-nos o caminho percorrido, mas também evidencia a distância que ainda temos de percorrer para erradicar este mal social. A legislação é uma ferramenta poderosa, mas a transformação real depende de uma mudança cultural profunda, baseada no respeito, na empatia e no reconhecimento da riqueza da diversidade.
A mensagem final é clara e urgente: Racismo é crime. Denuncie.