Quando o Sistema se Torna Injusto: Lições da Vida de Assata Shakur
Entrevista de Assata Shakur (1988)
Meu nome é Assata Shakur, e eu nasci e fui criada nos Estados Unidos.
Sou descendente de africanos que foram sequestrados e levados para as Américas como escravos.
Passei a minha primeira infância no sul racista e segregado.
Mais tarde, mudei-me para o norte do país, onde percebi que as pessoas negras também eram vítimas do racismo e da opressão.
Cresci e tornei-me ativista política, participando nas lutas estudantis, no movimento contra a guerra e, sobretudo, no movimento pela libertação dos afro-americanos nos Estados Unidos.
Mais tarde, juntei-me ao Partido dos Panteras Negras (Black Panther Party), uma organização que foi alvo do programa COINTELPRO, criado pelo FBI (Federal Bureau of Investigation) para eliminar toda a oposição política às políticas do governo dos Estados Unidos, destruir o movimento de libertação negra, desacreditar ativistas e eliminar possíveis líderes.
Sob o programa COINTELPRO, muitos ativistas políticos foram assediados, presos, assassinados ou neutralizados de outras formas, por terem sido alvo desse programa.
Eu, como muitos outros jovens, enfrentei a ameaça da prisão, da clandestinidade, do exílio ou da morte.
O FBI, com a ajuda das agências policiais locais, alimentou sistematicamente a imprensa com falsas acusações e notícias fabricadas, acusando-me, assim como outros ativistas, de crimes que não cometemos.
Embora, no meu caso, as acusações tenham sido posteriormente retiradas ou eu tenha sido absolvida, as agências policiais nacionais e locais criaram uma situação em que, com base nas falsas acusações contra mim, qualquer policial poderia atirar para me matar.
Somente depois da aprovação da Lei da Liberdade de Informação (Freedom of Information Act), em meados da década de 1970, começamos a perceber a dimensão da perseguição do governo dos Estados Unidos contra os ativistas políticos.
Neste ponto, acho importante deixar uma coisa muito clara:
Eu defendi e ainda defendo mudanças revolucionárias na estrutura e nos princípios que governam os Estados Unidos.
Defendo a autodeterminação do meu povo e de todos os povos oprimidos dentro dos Estados Unidos.
Defendo o fim da exploração capitalista, a abolição das políticas racistas, a erradicação do sexismo e a eliminação da repressão política.
Se isso for um crime, então sou totalmente culpada.
Resumindo a história:
Fui capturada em Nova Jérsia, em 1973, depois de ser baleada com os dois braços erguidos e depois atingida novamente pelas costas.
Fui deixada no chão para morrer e, quando não morri, fui levada para um hospital local, onde fui ameaçada, espancada e torturada.
Em 1977, fui condenada em um julgamento que só pode ser descrito como um linchamento legal.
Em 1979, consegui escapar com a ajuda de alguns dos meus camaradas.
Vi essa fuga como um passo necessário, não apenas porque era inocente das acusações contra mim, mas porque sabia que, no sistema jurídico racista dos Estados Unidos, não receberia justiça.
Também temia ser assassinada na prisão.
Mais tarde, cheguei a Cuba, onde vivo atualmente no exílio como refugiada política.
A Polícia Estadual de Nova Jérsia e outros agentes da lei dizem que querem ver-me trazida à justiça, mas eu gostaria de saber o que eles entendem por justiça.
Tortura é justiça?
Fui mantida em solitária por mais de dois anos, principalmente em prisões masculinas — isso é justiça?
Os meus advogados foram ameaçados e presos — isso é justiça?
Fui julgada por um júri totalmente branco, sem sequer a aparência de imparcialidade, e condenada à prisão perpétua mais 33 anos — isso é justiça?
Quero enfatizar que a justiça para mim não é o tema principal aqui.
O que está em jogo é a justiça para o meu povo.
Quando o meu povo receber justiça, tenho certeza de que eu também a receberei.
🟥 Tese
A história de Assata Shakur revela que o sistema judicial e policial dos Estados Unidos, durante o período da luta pelos direitos civis, funcionava como instrumento de repressão política contra o povo negro. Sua trajetória demonstra que o Estado utilizou a violência institucional e a manipulação mediática para silenciar vozes revolucionárias que ameaçavam a ordem racista e capitalista estabelecida.
🟦 Antítese
Por outro lado, as autoridades norte-americanas defenderam suas ações alegando que o país precisava preservar a segurança interna e combater grupos considerados perigosos. Nessa lógica, movimentos como o dos Panteras Negras foram enquadrados como ameaças à estabilidade nacional, justificando perseguições, prisões e assassinatos sob o pretexto de “proteger a democracia”.
🟩 Hipertese
A análise profunda do caso de Assata Shakur mostra que a verdadeira ameaça não vinha dos militantes que lutavam por liberdade e igualdade, mas sim de um sistema que teme a emancipação dos oprimidos. A hipertese aponta que a luta de Assata transcende o contexto americano e representa a luta universal de todos os povos colonizados e explorados que buscam libertar-se das correntes do racismo, do imperialismo e da injustiça social.
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Assata Shakur simboliza a resistência negra e feminina contra a opressão estrutural. Sua história é um espelho que reflete a contradição entre os ideais de liberdade proclamados pelos Estados Unidos e a realidade de exclusão e violência vivida pelos afrodescendentes. A sua voz, ainda em exílio, continua a ecoar como um chamado para que a justiça verdadeira — a justiça do povo — prevaleça sobre a hipocrisia das instituições.
A história de Assata Shakur revela a profunda contradição entre os ideais proclamados de liberdade e democracia e as práticas reais de um Estado que, ao classificar como “ameaça” movimentos de libertação negra, recorreu à repressão institucional, violação de direitos e manipulação mediática. O caso demonstra que a verdadeira luta não é apenas por absolvição individual, mas pela justiça coletiva: autodeterminação, fim da exploração e erradicação do racismo e do sexismo. Assim, a experiência de Assata torna-se símbolo de resistência — um apelo à transformação estrutural das instituições para que a justiça do povo substitua a injustiça sistémica.
Apesar do caráter simbólico e revolucionário da luta de Assata Shakur, alguns críticos argumentam que a sua fuga e o seu exílio em Cuba representam uma negação da responsabilidade legal e um afastamento do processo democrático. Segundo essa visão, a resistência armada e o confronto direto com o Estado podem gerar novas formas de violência e reforçar a polarização social, dificultando o diálogo político e o avanço pacífico da causa negra. A anti-síntese, portanto, questiona se a verdadeira libertação pode ser alcançada através da ruptura total com o sistema ou se a transformação deve vir por meio da reforma interna das instituições.
Assata Shakur: Uma Vida de Resistência e Exílio
Assata Shakur, nascida Joanne Deborah Byron em 16 de julho de 1947, em Flushing, Nova York, tornou-se uma das figuras mais emblemáticas da luta pelos direitos civis e pela libertação negra nos Estados Unidos. Criada em um contexto de segregação racial, ela se envolveu ativamente em movimentos estudantis e, posteriormente, no Partido dos Panteras Negras. Mais tarde, uniu-se ao Black Liberation Army (BLA), uma organização revolucionária que visava combater a opressão racial e social.
Em 1973, Shakur foi acusada de envolvimento na morte do policial Werner Foerster durante um tiroteio na New Jersey Turnpike. Apesar de alegar inocência e apresentar evidências médicas que contradiziam as acusações, ela foi condenada em 1977 e sentenciada à prisão perpétua. Em 1979, com a ajuda de membros do BLA, escapou da prisão e, em 1984, recebeu asilo político em Cuba, onde viveu até sua morte.
Assata Shakur faleceu em Havana, Cuba, em 25 de setembro de 2025, aos 78 anos, devido a complicações relacionadas à idade avançada. Sua trajetória continua a inspirar movimentos de resistência e a questionar as estruturas de poder e justiça.
